“Nunca S. Sebastião esteve assim”

As representações de uma epidemia de varíola no conto “A peste” (1910), de João do Rio

Autores

DOI:

https://doi.org/10.15448/1983-4276.2023.1.43689

Palavras-chave:

João do Rio, “A peste”, Dentro da noite, varíola, Rio de Janeiro da belle époque

Resumo

O presente artigo tem como objeto a análise das representações da epidemia de varíola que assolou a cidade do Rio de Janeiro em 1908, deixando um saldo de mais de 6.400 mortos, no conto “A peste”, de João do Rio. Exemplo do que Paes (1985) classifica como literatura-esgar de estética art nouveau, o conto publicado originalmente na Gazeta de Notícias e em seguida reunido na coletânea Dentro da noite (1910), tem como narrador principal o esnobe Luciano Torres, o qual relata, a um interlocutor inomeado, o trágico desenrolar da contaminação de seu amado Francisco Nogueira pela varíola. Partindo da premissa de que João do Rio observa o caráter de ruptura epidemiológica (McNEILL, 1998) em seu próprio tempo, a pestilência real transfigura-se em motivo literário significativo, pois, através das representações da peste presentes no conto, o escritor articula a doença e seus processos – difusão, contágio, isolamento, desfiguração, morte – a uma mirada crítica sobre a cidade, para além da perspectiva eufórica da modernização da belle époque; uma visão disfórica (GOMES, 1994), que lê, sob o véu do ideário do progresso, suas mazelas. Nesse sentido, “A peste” revela a condição paralisante de um flâneur diante da cidade vazia (MARTINS, 2021), contaminada pelo “mal das bexigas”: a São Sebastião ferida de morte, regida pelo signo assombroso de Obaluaiê e análoga à experiência catastrófica do campo de batalha.

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Biografia do Autor

Ana Claudia Aymoré Martins, Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.

Livre-docente em História do Brasil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil; professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Livre-docente em História do Brasil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil; professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

José Marcos Paula Pessoa Freitas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense Polo Universitário Campos dos Goytacazes (UFFPUCG), em Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Mestrando em História Política pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/UERJ), no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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Publicado

2023-01-16

Como Citar

Martins, A. C. A., Rodrigues, A. E. M., & Freitas, J. M. P. P. (2023). “Nunca S. Sebastião esteve assim”: As representações de uma epidemia de varíola no conto “A peste” (1910), de João do Rio. Navegações, 16(1), e43689. https://doi.org/10.15448/1983-4276.2023.1.43689