A enunciação do discurso antirracista na literatura infantil
DOI:
https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.46325Palavras-chave:
Discurso antirracista, Literatura infantil, Cenas de enunciaçãoResumo
O discurso antirracista enunciado nas práticas literárias destinadas ao público infantil é parte das lutas dos movimentos negros por liberdade, igualdade e direitos. É objetivo deste artigo compreender a constituição de regularidades nas cenografias que configuram tais práticas, fundantes das condições de enunciabilidade de combate ao racismo. Perseguindo esse propósito, abordamos o texto literário pela perspectiva da discursividade, entendendo que o texto é resultante das dinâmicas da vida em sociedade, bem como interfere nos processos de consolidação e transformação dessas mesmas dinâmicas. Faremos isso mobilizando os conceitos de “prática discursiva” e “cena de enunciação”, postulados por Maingueneau (2001, 2004, 2005, 2008, 2012, 2015). Também mobilizamos os conceitos de “colonialidade” e “decolonialidade”, postulados por Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016), Maldonado-Torres (2007), Torquato e Kondo (2020), Walsh (2009). Gosto de África: histórias de lá e daqui (Santos, 2005) e Amoras (Emicida, 2018) são as obras literárias selecionadas para indiciar traços de um discurso antirracista em constituição nas práticas literárias destinadas ao público infantil: (i) a articulação entre o espaço-tempo ficcional e o espaço-tempo histórico; (ii) o enfrentamento do espaço-tempo das relações patriarcais, rompendo com o apagamento e o silenciamento de mulheres negras na história da sociedade brasileira; (iii) o investimento na constituição de um enunciador e de um enunciatário em cuja elaboração da literalidade da obra literária poetizam as referências à negritude. Esses traços nos levam a concluir que a produção de uma literatura infantil alinhada a um posicionamento antirracista é uma ação artística e política que não só representa a luta por liberdade e igualdade: é a própria luta por liberdade e igualdade.
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