Prefácio do Dossiê “Cinematografia Francesa”
Prefácio do Dossiê “Cinematografia Francesa”
Denize Araujo, VIC Chair
O Dossiê “Cinematografia Francesa: dos Lumières & Méliès ao VR & AI” é uma publicação do Grupo de Trabalho de Cultura Visual (VIC) da International Association for Media and Communication Research (IAMCR), organizada e editada por Claudia Lambach — como uma das atividades da sua bolsa IAMCR que inclui duas sessões de um workshop, uma delas apresentada em 3 de junho e outra em 10 de junho de 2023, com autores do Dossiê e do Ebook Cinéma Français (Ed. Appris). Após a conferência da IAMCR em Lyon, de 9 a 13 de julho de 2023, Claudia Lambach ofereceu mais um workshop e mais um dossiê sobre os principais temas desenvolvidos durante a conferência presencial em Lyon e sua componente online, de 26 de junho a 12 de setembro. A homenagem do VIC a Lyon, sede da IAMCR 2023, publicada na Revista FAMECOS, sob a edição de Beatriz Dornelles (PUCRS), conta com autores do Brasil, China, França, Singapura e Espanha, em três idiomas: inglês, francês e espanhol. Os temas estão todos relacionados com a relevância do cinema francês e seus períodos históricos, cineastas, investigadores, críticos e filmes.
O texto “La simbolique du double à l'aube du cinéma français”, de Ana Taís Martins e Danilo Fantinel, descreve o simbolismo do duplo com seu lado lógico versus modos míticos de pensar em seus três eixos: o postural, o digestivo e o o rítmico. O corpus do texto inclui imagens dos Irmãos Lumière, La sortie de l´usine Lumière à Lyon (1895), e de Méliès, Rêve d´un fumeur d´opium (1908). No complemento musical, o texto menciona que o tempo binário provoca uma dissolução de limites e uma convergência técnica. Entre as referências, o texto cita Morin (2014, p. 63), “[...] le mythe latent du cinématographe est l'immortalité” e “[...] vie à des ombres qui portent autant le prestige de l’immortalité que les terreurs de la mort” (MORIN, 2014, p. 64). Seu complemento musical dialoga com a temática de Alvim.
O texto de Luiza Alvim, “Música clássica pré-existente no cinema de autor francês na década de 2010: predominância barroca e processos de escolhas no mundo digital”, menciona a vertente musical do Cinema de Autor francês em 2010, enfatizando o repertório barroco da Nouvelle Vague , mencionando Beethoven, Bach, Mozart e Vivaldi. Para selecionar o corpus, Alvim escolheu filmes de diretores franceses que concorreram nos Festivais de Cannes de 2011 a 2020, com inclusão de alguns filmes de 2021, tendo no primeiro grupo diretores já consagrados como autores ou em vias de se tornarem autores, como Robert Guédiguian (1953-), Olivier Assayas (1955-), François Ozon (1967-), Bertrand Bonello (1968-) e Mia Hansen-Løve (1981-) e no segundo, diretores em diferentes momentos de suas carreiras, incluindo estreantes ao Festival de Cannes. Alvim conclui que o repertório musical da Nouvelle Vague era predominantemente barroco.
A Nouvelle Vague, ou New Wave Francesa, também foi enfatizada no texto de Ruomu Miao “O cinema estava se tornando mais real: da New Wave Francesa à Estética da Tela Vertical do Vídeo Curta Móvel”. A autora sugere que a estética narrativa dos filmes da Nouvelle Vague francesa é fonte de inspiração para vídeos curtos na era da tela vertical, mencionando quatro dimensões de “contar” e “mostrar”, e também tempo e espaço narrativo. Miao cita dois filmes franceses, The Pointe Courte e The 400 Blows, e conclui sugerindo que “os filmes franceses da New Wave são marcados pela filmagem em cenas reais, uso de atores não profissionais, uso especial de câmera, e quebra da “quarta parede”, influenciando e inspirando hoje em dia vídeos curtos, alguns feitos por i-phones, que mais parecem conversas face-a-face. Três autores concentram suas análises em cineastas selecionados e em seus filmes.
Glòria Salvadó-Corretger, em seu texto “París, mapa cinematográfico y território imaginário en la obra de Eric Rohmer”, escolheu os seguintes filmes: El signo del león (1959), Les rendez-vous de Paris (1995), los dos Primeros 'Cuentos Morales', La panadera de Monceau, de 1962, y La Carrera de Suzanne, de 1963, para enfatizar a trama dramática determinada pela natureza do espaço urbano parisiense, em que o desejo dos flâneurs-protagonistas é ser heróis tendo a cidade como inspiração. Salvadó-Corretger também enfatiza o diálogo entre Rohmer, Jacques Rivette e Louis Feuillade. Rivette faz de Paris uma mesa de jogo e os protagonistas de Rohmer também parecem se mover em um tabuleiro, mas Rivette se concentra nos aspectos obscuros enquanto Rohmer mostra trivialidades. Feuillade retrata uma Paris abstrata que proporciona planos perversos em sua escuridão, enquanto Rohmer proporciona encontros românticos inesperados.
Lucas Murari escolheu as obras de Rose Lowder como corpus de seu texto, “Experimentações ecológicas: os filmes de Rose Lowder”, descrevendo seu estilo como experimental e seus filmes como ecologicamente orientados, retratando paisagens rurais e marítimas, engajando o ativismo artístico com a prática ecopolítica, utilizando um equipamento Bolex H16 que auxilia na sua “composição improvisada”, como ela mesma define seu estilo. Segundo Murari, “Lowder não deseja imitar a realidade, mas sim transfigurar a realidade”, transformando o real como se fosse uma pintora para quem a plasticidade é o que realmente importa para revelar as potencialidades da experimentação visual ao retratar a estética da paisagem inventando novas maneiras de ver. A própria Lowder menciona: “minha intenção é dar importância à imaginação surgida da poesia de qualidades cinematográficas e chamar a atenção para o tema da natureza, assunto primordial”.
Outro texto sobre cineastas franceses é “L´Opacité et Intermédialité chez le Cinéma de Marguerite Duras”, de Luciene Guimarães de Oliveira, que enfatiza a transmidialidade dos Duras com diferentes mídias, como televisão, vídeo, literatura, teatro, fotografia e cinema , o que pode categorizar os filmes de Duras como experimentais por suas características híbridas estarem entre a opacidade e a transparência. Guimarães de Oliveira também menciona o processo de “desnarração”, que revela outra característica do cinema de Duras no diálogo com o público, que é desafiado entre a opacidade e a transparência. Jacques Aumont, citado por Guimarães de Oliveira, menciona que o que Duras expõe ao público é a ilusão do realismo, a ilusão da continuidade, a ilusão da transparência, e também a ilusão da narrativa neutra, que desafia os espectadores a terem suas próprias interpretações e seus pontos de vista.
“Arquivando o passado, pintando o presente: representações da diversidade e do feminismo no retrato de uma moça em chamas”, de Xueyan Cheng, enfatiza as identidades das duas protagonistas femininas. Como descreve Cheng: o filme é “um arquivo visual da história do feminismo e do lesbianismo, bem como um retrato das artistas atuais” e também “um arquivo visual da história da diversidade, bem como um retrato de artistas no passado e no presente.” Além disso, o filme é também a auto-representação de Sciamma, sendo a própria Marianne, uma artista que observa comportamentos de mulheres do século XVIII com sua autoria feminina/feminista e lentes focadas nas questões e cenários contemporâneos do século XXI. Tentando dar voz e poder às artistas femininas/feministas, Sciamma expressa suas próprias experiências como cineasta.
Ying Lai, no seu texto “Arquivos digitais de filmes e clusters criativos culturais urbanos: a reprodução e comunicação da cultura visual”, enfatiza a relevância da memória e o significado dos Clusters Culturais e Criativos (CCCs) que preservam o passado através da digitalização de relíquias culturais. Lai dá exemplos citando o filme Paris- When It Sizzles, que retrata a Torre Eiffel como símbolo do amor e o filme Dans la Brume que mostra áreas ou regiões francesas específicas e relevantes que devem ser lembradas, Lai também destaca que a Catedral de Notre Dame, inacessível desde 2019, poderá não fazer parte do repertório parisiense por algum tempo, reforçando a ideia de que os arquivos digitais desempenham um papel vital na preservação de filmes, imagens, fotografias e cultura visual em geral. O corpus do texto está no arquivo digital de filmes rodados em Paris entre 2016 e 2021.
Savo Zunjic inicia seu texto “VR na Cinematografia Francesa: o exemplo de Alteração” mencionando as invenções dos Irmãos Lumière, o Cinematógrafo e o Fotorama, e também a explicação do “clone do real” de Bazin sobre o realismo, além do conceito de “realidade virtual” de Morton Heilig, aos “mundos imersivos” de hoje. Zunjic menciona que os filmes franceses de VR tiveram uma contribuição relevante para o crescimento da VR como meio e o corpus de seu texto é Alteration, um curta-metragem híbrido que é “uma representação simbólica do mundo digital da inteligência artificial”. Zunjic também menciona o efeito da música reforçada com sons digitais, anunciando a presença da IA e conclui sugerindo que novas tecnologias como imagens geradas por computador (CGI), VR e IA estão expandindo cenários criativos que antes não seriam possíveis de serem implementados.
Para finalizar, gostaria de agradecer a todos os autores que fazem parte deste Dossiê. Agradeço também à Claudia Lambach que editou os textos e desenhou a imagem do Dossiê e a Thomas Wiedemann, vice-chair do VIC e curador do VIC CineClub. Um agradecimento muito especial à Beatriz Corrêa Pires Dornelles, responsável pela Revista FAMECOS, que trabalhou com entusiasmo para a finalização do Dossiê, lançado em Lyon, França, no dia 12 de julho, das 10h30 às 12h30, pela VIC — Grupo de Trabalho de Cultura Visual — durante a conferência IAMCR 2023.
Obrigada pela sua atenção.
O Dossiê se encontra disponível em: https://doi.org/10.15448/1980-3729.2023.1
Saudações brasileiras!
Denize Araujo — VIC Chair
PhD em Literatura Comparada, Cinema e Artes pela University of California Riverside, Estados Unidos. Pós-doutoramento em Cinema e Artes pela Universidade do Algarve (UAlg), Portugal. Professora Pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação e Linguagens e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Cinema (CINEX) da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação, Imagem e Contemporaneidade (CIC-UTP/CNPq) em parceria com o Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC, Portugal).