Memória, esquecimento e tortura em La Jetée e On vous parle du Brésil, de Chris Marker, e na poesia de presos políticos no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.15448/1984-7726.2022.1.43123Palavras-chave:
poesia de presos políticos, literatura e cárcere, memória, Testemunho, psicanáliseResumo
O curta-metragem La Jetée (1962), de Chris Marker, produz, em fotomontagem, uma narrativa que põe em cena o debate sobre as noções de memória e de trauma. Ambos os temas parecem retornar em duas películas posteriores do mesmo diretor, On vous parle du Brésil: Tortures (1969) e On vous parle du Brésil: Carlos Marighella (1970), nas quais se trata da institucionalização da tortura policial durante a ditadura militar brasileira. Os debates suscitados pelos filmes são determinantes para o estudo do testemunho de vítimas e sobreviventes de ditaduras e genocídios, tocando no ponto em que se articula memória e esquecimento nas experiências individuais e coletivas. As práticas autoritárias nas sociedades revelam, como sintoma, um elevado índice de encarceramentos por motivações e forças ideológicas, cujas vítimas são comumente chamadas de presos políticos. Se os registros oficiais excluem e manipulam as histórias desses indivíduos a fim de ocultar os crimes cometidos pelos aparelhos de Estado, certa parcela dessas histórias se conserva e se transmite por vias alternativas, como em relatos, depoimentos, cartas e textos literários. Apesar de receber menos atenção que a prosa nesse contexto, a poesia também se tornou um importante espaço de testemunho para as vítimas, estabelecendo-se como uma forma de conservação da memória dos excluídos/silenciados. Nesse sentido, este trabalho tem por premissa aproximar os curtas La Jetée, On vous parle du Brésil: Tortures e On vous parle du Brésil: Carlos Marighella à produção de poesia no contexto do cárcere político durante a ditadura militar brasileira, com atenção especial aos poetas Alex Polari, Pedro Tierra, Lara de Lemos, Gilney Viana e Marcelo Mário de Melo, a partir das noções de memória, esquecimento e trauma, em diálogo com as contribuições de Paul Ricoeur e Sigmund Freud.
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