Lá estava minha russalka

o imaginário aquático e a alteridade em “Taman”, de Mikhail Liérmontov

Autores

DOI:

https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.46956

Palavras-chave:

Mikhail Liérmontov, Literatura russa, O herói do nosso tempo

Resumo

Este artigo propõe uma análise do capítulo “Taman”, parte do romance O herói do nosso tempo (1840), de Mikhail Liérmontov (2013), com ênfase ao papel exercido pelo mar na narrativa, assim como à construção da alteridade, que toma a forma dos “estranhos” habitantes do vilarejo costeiro. “Taman” retrata a curta passagem do oficial do exército russo, Grigori Petchorin, pela cidade homônima, que demarca a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, cujo território era, à época da escrita da obra, parcialmente controlado pelo Império Russo. Tal caráter fronteiriço se reflete nas personagens que Petchorin encontra lá. Nelas, percebe-se uma forte mistura cultural, que abarca elementos ucranianos, tártaros e cossacos, notáveis por meio de suas vestimentas e linguajar. Essa diferença é fonte de estranhamento e desconfiança para o oficial. Desse modo, também encaramos o capítulo como um exemplo de encontro colonial na literatura russófona do século XIX. A postura crítica, ainda que não raro ambígua, ao Império, assumida por Liérmontov, leva-o a subverter vários dos tropos tipicamente associados à literatura colonial do período e convida a leituras pós-coloniais que auxiliam a elucidar a autopercepção dúplice da Rússia como nação marginalizada pela Europa Ocidental e, ao mesmo tempo, como potência imperial perante a Europa Oriental, o Cáucaso e a Ásia Central. Para os fins deste estudo, teceremos algumas breves observações a respeito do papel dos corpos d’água na cultura russa. Em seguida, abordaremos a relação complexa entre os poetas da Era de Ouro e o projeto imperial russo, assim como as especificidades assumidas pela obra liermontoviana em tal âmbito. Enfim, analisaremos o capítulo “Taman”, considerando a significação histórica da região para a Rússia, além do caráter fronteiriço e multicultural das personagens, tão Outras ao protagonista.

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Biografia do Autor

Júlia Zorattini, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal Fluminense.

Ekaterina Vólkova Américo, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal Fluminense.

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Publicado

2024-11-27

Como Citar

Zorattini, J., & Vólkova Américo, E. (2024). Lá estava minha russalka: o imaginário aquático e a alteridade em “Taman”, de Mikhail Liérmontov. Letras De Hoje, 59(1), e46956. https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.46956

Edição

Seção

Dossiê: Texto como tecido da cultura

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