'O soldadinho de chumbo’ e a naturalização do preconceito com a deficiência

O fenômeno do dizer a infelicidade como felicidade e a pressuposição intertextual

Autores

  • Julio Cesar Machado Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Belo Horizonte e Universidade de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0364-3370

DOI:

https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.45642

Palavras-chave:

pressuposição intertextual, contos de fadas, deficiência, beleza padrão, soldadinho de chumbo

Resumo

Esta pesquisa2 analisa o corpus de uma animação de “O soldadinho de chumbo”, e objetiva: (i) elucidar que existe um conteúdo-pressuposto de “não ser pessoa com deficiência e dever possuir beleza padrão para se casar nos contos de fadas”, que está inscrito no conteúdo-posto “casar-se nos contos de fadas”; e, em detrimento deste, o segundo objetivo é (ii) defender a categoria de pressuposição intertextual, entre o leque de conceitos da Semântica Argumentativa; e também (iii) investigar o fenômeno enunciativo da inversão argumentativa, isto é, dizer o fenômeno de o trágico como romântico, próprio da enunciação de O soldadinho de chumbo. Para tal, nosso referencial teórico será a Semântica Argumentativa, sobretudo operando os conceitos de pressuposição, modificador desrealizante e modificador realizante, de Oswald Ducrot. Com a finesse de uma concepção textual, intertextual e imagética desses conceitos, dado que nosso corpus é uma animação. Nossa principal hipótese coincide com o pressuposto intertextual inscrito nessa animação: em versões dos contos de fadas de animações para público infantil, o happy end é um pressuposto (intertextual) reservado aos corpos privilegiados, já que no posto “felizes para sempre” inscreve-se o pressuposto “não ser pessoa com deficiência e possuir beleza padrão” para ter direito ao ‘felizes para sempre’. Nossos resultados impactam sobretudo as áreas da linguagem e do ensino, porque se constituem por uma crítica a uma prática de leitura/perpetuação prescritivas de contos de fadas, acríticas e vazias, que apenas romantizam e naturalizam a tragédia da erradicação da pessoa com deficiência e a perpetuação do happy end enquanto pressuposto da elite.

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Biografia do Autor

Julio Cesar Machado, Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Belo Horizonte e Universidade de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.

Bolsista de Produtividade em Pesquisa - Edital PQ/ PROPPG UEMG 10/2022. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Montes Claros. Doutor em Estudos da Linguagem - Linguística - pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, com estágio de Doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, França (PDSE 5637/13-9). Mestre em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Especialista em Linguística pela Universidade de Franca - UNIFRAN, Especialista em Gestão, Inspeção, Supervisão, Coordenação e Orientação pela Faculdade Calafiori, e Graduado em Letras pela Universidade de Franca. Professor efetivo da Universidade do Estado de Minas Gerais, no curso de Letras - Campus de Passos - UEMG. É editor do site francês científico-linguístico Sémantique Argumentative (semanticar.hypotheses.org). Tem particular interesse nos trabalhos do Dr. Oswald Ducrot e Dra. Marion Carel, e pelo modo em que estes autores são trabalhados na França, na relação com a obra de Paulo Freire. Atua principalmente nos seguintes temas: linguagem/cultura brasileira, linguagem/ cultura francesa, argumentação na língua, enunciação, semântica, análise de discurso, letramento, técnicas de leitura, Contos de Fadas, Paulo Freire e Relações Internacionais. Atualmente, desenvolve o Projeto de Pesquisa e Inovação “As animações enquanto acontecimento político: uma proposta de formalização de leitura política à luz de Paulo Freire” (Fomento: Edital PQ- UEMG 10/2022).

 

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Publicado

2024-10-08

Como Citar

Machado, J. C. (2024). ’O soldadinho de chumbo’ e a naturalização do preconceito com a deficiência: O fenômeno do dizer a infelicidade como felicidade e a pressuposição intertextual. Letras De Hoje, 59(1), e45642. https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.45642