A mídia e a construção de personagens de autoficção biográfica: uma leitura semântico-lexical de três notícias sobre a morte enigmática de João Guimarães Rosa
DOI:
https://doi.org/10.15448/1984-7726.2017.2.25640Palavras-chave:
João Guimarães Rosa, Jornalismo e literatura, Autoficção, Personagem de ficçãoResumo
Este artigo propõe-se a analisar a construção de personagens de ficção biográfica em torno da figura pública do escritor João Guimarães Rosa, com base na confrontação de três matérias jornalísticas versando sobre a morte enigmática do romancista, ocorrida em 19 de novembro de 1967. Cabe ressaltar que, em 2017, celebram-se 50 anos desse evento marcante da cultura brasileira, ainda por se decifrar em todo seu alcance e significação. Por esse viés, o presente estudo parte igualmente do fato de que Grande Sertão: Veredas é qualificado, por seu próprio autor, como uma “autobiografia irracional”: trata-se, de maneira inédita na história da literatura, de contar uma vida (e uma morte), para em seguida vivê-la. Por esse viés, a análise centra-se na dimensão narrativa do texto jornalístico, no plano das imbricações entre universo fático e universo ficcional (MOTTA, 2005). Com esteio em um corpus constituído por três artigos publicados no O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, discorre-se sobre os índices semântico-lexicais e as condicionantes editoriais (CHARAUDEAU, 2010) que induzem a consolidação de diferentes relatos proto-biográficos em torno da imagem de Guimarães Rosa, romancista que, por sua vez, é artífice e demiurgo consciente de suas próprias personas (no sentido junguiano do termo), ou suas personagens de autoficção biográfica – categoria poética que solicita o aprofundamento de reflexões teórico-críticas. No presente caso, a notícia biográfica constrói-se com apoio em recursos poéticos, por meio de um discurso em que, articulando-se mutuamente, convergem literatura e jornalismo. Interroga-se, por fim, o papel do jornalismo enquanto construtor de personagens, em sua dimensão de representações sociais, como no caso da imagem de pessoas públicas, assim como as formas indiciais de indução ficcional que certos sujeitos podem exercer sobre os jornalistas e seus veículos, como forma de ampliar e consolidar a difusão de uma obra literária por meio de um personagem biográfico que seduz a atenção do leitor para muito além do último capítulo.
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