Viver a teoria
Naturalismo e animismo em Croire aux fauves, de Nastassja Martin
DOI:
https://doi.org/10.15448/1984-7726.2024.1.45821Palavras-chave:
Nastassja Martin, animismo, naturalismo, AntropocenoResumo
O artigo apresenta uma leitura do Antropoceno como o tempo das catástrofes e da intrusão de Gaia, conforme a concepção de Isabelle Stengers. Em seguida, discute as limitações da literatura face aos problemas ecológicos do Antropoceno, seguindo as impressões de Amitav Ghosh, para quem a produção literária contemporânea oculta os desastres ecológicos e os desafios políticos resultantes do aquecimento global e de seus corolários. A partir disso, o artigo demonstra como o livro Croire aux fauves, da antropóloga francesa Nastassja Martin, pode ser considerado uma literatura que reflete sobre o Antropoceno, por meio do registro autobiográfico da autora e das considerações teóricas sobre a comunidade even, população indígena do Ártico russo. Com base na narração do episódio verídico central do livro, em que a autora foi atacada por um urso nas montanhas de Kamtchátka, na Rússia, sustenta-se que a obra está estruturada em uma composição híbrida: há, por um lado, a combinação entre autobiografia e relatório de pesquisa, e, por outro, a mescla de narrativa trágica com literatura especulativa. O hibridismo formal do livro está relacionado à dicotomia entre naturalismo e animismo, segundo o antropólogo Philippe Descola, de modo a demonstrar como a oscilação entre essas duas correntes de pensamento limita, primeiramente, a interpretação de que o ataque do urso à autora pode ser compreendido sob a ótica naturalista do acidente e do trágico. Em segundo lugar, essa ambiguidade abre caminho para uma interpretação sob a perspectiva imanentista do evento, a partir daquilo que a autora denomina de pragmática animista.
Downloads
Referências
BERARDI, Franco “Bifo”. Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva. Tradução espanhola de Alejandra López Gabrielidis. Buenos Aires: Caja Negra, 2018.
BOMBIERI, G.; NAVES, J.; PENTERIANI, V.; SELVA, N.; FERNÁNDEZ-GIL, A.; LÓPEZ-BAO, J.V.; AMBARLI, H.; BAUTISTA, C.; BESPALOVA, T.; BOBROV, V.; BOLSHAKOV, V.; BONDARCHUK, S.; CAMARRA, J.J.; CHIRIAC, S.; CIUCCI, P.; DUSTOV, A. DYKYY, I.; FEDRIANI, J.M., GRACÍA-RODRÍGUEZ, A.; GARROTE, P.J.; GASHEV, S.; GROFF, C.; GUTLBEB, B.; HARING, M.; HÄRKÖNEN, S.; HUBER, D.; KABOLI, M.; KALINKIN, Y.; KARAMANLIDIS, A.A.; KARPIN, V.; KASTRIKIN, V.; KHLYAP, L.; KHOETSKY, P.; KOJOLA, I.; KOZLOW, Y.; KOROLEV, A.; KORYTIN, N.; KOZSHEECHKIN, V.; KROFEL, M.; KURHINEN. J.; KUZNETSOVA, I.; LARIN, E.; LEVYKH, A.; MAMONTOV, V.; MÄNNIL, P.; MELOVSKI, D.; MERTZANIS, Y.; MEYDUS, A.; MOHAMMADI, A.; NORBERG, H.; PALAZÓN, S.; PATRASCU, L.M.; PAVLOVA, K.; PEDRINI, P.; QUENETTE, P.Y.; REVILLA, E.; RIGG, R.; ROZHKOV, Y.; RUSSO, L.F.; RYKOV, A.; SABUROVA, L.; SAJLÉN, V.; SAVELJEV, A.P.; SERYODKIN, I.V.; SHELEKHOV, A.; SHISHIKIN, A.; SHKVYRIA, M.; SIDOROVICH, V.; SOPIN, V.; STOEN, O.; STOFIK, J.; SWENSON, J.E.; TIRSKI, D.; VASIN, A.; WABAKKEN, P.; YARUSHINA, L.; ZWIJACZ-KOZICA, T. e DELGADO, M.M. Brown bear attacks on humans: a worldwide perspective. Scientific Reports, n.º 9, 8573, p. 1-10, junho de 2019. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-019-44341-w. Acesso em: 28 fev.2024. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-019-44341-w
BOULD, Mark. The Anthropocene Unconscious. Climate Catasthrophe Culture. Londres e Nova York: Verso, 2021.
CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History in a Planetary Age. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2021.
CRARY, Jonathan. Scorched Earth. Beyond Digital Age to a Post-Capitalist World. Londres e Nova York: Verso, 2022.
DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O passado ainda está por vir. São Paulo: n-1 Edições, 2023.
DESCOLA, Philippe. Más allá de naturaleza y cultura. Tradução espanhola de Horacio Pons. Buenos Aires e Madri: Amorrortu, 2012.
EAGLETON, Terry. Doce violência. A ideia do trágico. Tradução de Alzira Allegro. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial. Pensar a partir do mundo caribenho. Tradução de Letícia Mei. São Paulo: Ubu, 2022.
GHOSH, Amitav. The Great Derangement. Climate Change and the Unthinkable. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2016. DOI: https://doi.org/10.7208/chicago/9780226323176.001.0001
GOETHE, Johann Wolfgang von. Escritos sobre literatura. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
HARAWAY, Donna J. Staying with the Trouble. Making Kin in the Chthulucene. Durham e Londres: Duke University Press, 2016. DOI: https://doi.org/10.2307/j.ctv11cw25q
KOLBERT, Elizabeth. A Sexta Extinção. Uma história não natural. Tradução de Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1994.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. De Rousseau à Internet. Tradução de Jovita Maria G. Noronha e Maria Inês C. Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
LÉVI-STRAUSS, Claude. A ciência do concreto. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Tradução de Tânia Pellegrini. Papirus, 1989, p. 15-50.
MALABOU, Catherine. Ontologia do acidente: ensaio sobre a plasticidade destrutiva. Tradução de Fernando Scheibe. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014.
MARGULIS, Lynn. Symbiotic planet. A New Look at Evolution. Nova York: Basic Books, 1998.
MARQUES, Luiz. O decênio decisivo. Propostas para uma política de sobrevivência. São Paulo: Elefante, 2023.
MARTIN, Nastassja. Croire aux fauves. Paris: Editions Verticales, 2019. E-book.
MARTIN, Nastassja. A leste dos sonhos. Respostas even às crises sistêmicas. Tradução de Camila Vargas Boldrini. São Paulo: Editora 34, 2023.
MOORE, Jason W. Introdução. In: MOORE, Jason W. (Org.). Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. Tradução de Antônio Xerxenesky e Fernando Silva e Silva. São Paulo: Elefante, 2022, p. 13-30.
MORTON, Timothy. Hiperobjects. Philosophy and Ecology after the End of the World. Minneapolis e Londres: University of Minnesota Press, 2013.
MORTON, Timothy. All Art is Ecological. Londres: Penguin Random House, 2018.
NODARI, Alexandre. A literatura como antropologia especulativa. Revista da Anpoll. Florianópolis, n.º 39, p. 75-85, jan./jul. 2015. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/836/791. Acesso em: 28/02/2024. DOI: https://doi.org/10.18309/anp.v1i38.836
PARIKKA, Jussi. The Anthrobscene. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.
SADIN, Éric. La humanidad aumentada. La administración digital del mundo. Tradução espanhola de Javier Blanco e Cecilia Paccazochi. Buenos Aires: Caja Negra, 2018.
SCHILLER, Friedrich. Do sublime ao trágico. Tradução de Pedro Süssekind e Vladimir Vieira. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. Resistir à barbárie que se aproxima. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico. In: STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico. Tradução de Luísa Valentini. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p. 345-405.
TSING, Anna Lowenhaupt. The Murshroom at the End of the World. On the Possibility of Life in Capitalist Ruins. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2015. DOI: https://doi.org/10.1515/9781400873548
TSING, Anna Lowenhaupt. Sobre a não escalabilidade: o mundo vivo não é submisso a escalas de precisão aninhadas. In: TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Tradução de Thiago Mota Cardoso et al. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019, p. 175-200.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2024 Letras de Hoje
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Direitos Autorais
A submissão de originais para a Letras de Hoje implica na transferência, pelos autores, dos direitos de publicação. Os direitos autorais para os artigos publicados nesta revista são do autor, com direitos da revista sobre a primeira publicação. Os autores somente poderão utilizar os mesmos resultados em outras publicações indicando claramente a Letras de Hoje como o meio da publicação original.
Licença Creative Commons
Exceto onde especificado diferentemente, aplicam-se à matéria publicada neste periódico os termos de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional, que permite o uso irrestrito, a distribuição e a reprodução em qualquer meio desde que a publicação original seja corretamente citada.