Propaganda ditatorial e invasão do cotidiano: a ditadura militar em perspectiva comparada*

Autores

  • Nina Schneider Universidade de Colônia

DOI:

https://doi.org/10.15448/1980-864X.2017.2.24745

Palavras-chave:

Propaganda oficial, O cotidiano, Ditadura, Regime militar brasileiro, AERP, Consentimento, Propaganda nazista, DIP

Resumo

As ditaduras do século XX usaram máquinas de propaganda distintas para justificar o seu poder ilegal. Durante o nazismo e o stalinismo, por exemplo, foram montados grandes sistemas de propaganda, envolvidos tanto na produção quanto na censura de conteúdo, que, em conjunto com outras medidas políticas (repressão violenta, vigilância, organizações de participação obrigatória, etc.), visaram a mobilizar as massas em favor do regime e silenciar qualquer tipo de oposição política. Durante o Estado Novo (1937-45), também foi montado um aparato amplo no Brasil, que tentou reforçar a sensação da união entre o suposto líder, Getúlio Vargas, e o povo (mais especificamente o trabalhador urbano) – o chamado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Tomando como foco de análise a ditadura militar brasileira (1964-1985) e oferecendo uma primeira aproximação, esta contribuição investiga como a propaganda oficial – ou o órgão responsável pelas campanhas oficiais – influenciou a vida cotidiana dos cidadãos brasileiros e até que ponto o regime tentou invadir a vida privada. Revisando a pesquisa atual, este artigo pergunta: quem foi influenciado e por quais meios? O que sabemos sobre o efeito das campanhas? É possível perceber que, muito diferentemente da ditadura nazista e varguista, o regime militar operou um órgão de propaganda oficial pequeno, que rejeitou uma estratégia de politizar e mobilizar o cidadão brasileiro, bem como de invadir a sua vida cotidiana de maneira tão agressiva. Pelo contrário: apoiou-se a iniciativa privada e o livre-mercado como pilares fundamentais do sistema capitalista. Com a contratação de produtores do mercado cinematográfico, campanhas oficiais com um caráter desmobilizador e aparentemente apolítico foram elaboradas.

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Biografia do Autor

Nina Schneider, Universidade de Colônia

Nina Schneider é pesquisadora senior do Centro de Estudos Sobre o Sul Global (Global South Study Center, GSSC) da Universidade de Colonia, Alemanha, e membro associado do Zukunftskolleg [colégio do futuro] na Universidade de Konstanz, Alemanha, onde foi pós-doc Marie Curie entre 2013 e 2014. Ela fez o douturado em História na Universidade de Essex, Grã-Bretanha, e foi pesquisadora visitante do instituto pela pesquisa de direitos humanos (Institute for the Study of Human Rights, ISHR) na Universidade de Columbia, Nôva York em 2012 e na UNB em Brasília em 2015. Ela é particularmente interessada em regimes autoritários e suas diversas raízes, práticas e seus legados; na história de direitos humanos; e no intellectual engajado.

 Publicações recentes incluem: Brazilian Propaganda: Legitimizing an authoritarian regime (Gainesville: University Press of Florida, 2014); ‘Waiting for (an) “Apology”: Has Post-Authoritarian Brazil Apologized for State Repression?’, Journal of Human Rights, vol. 13, no. 1 (2014): 69-84; e ‘The forgotten Voices of the militares cassados: Reconceptualising “perpetrators” and “victims” in post-1985 Brazil’, Brasiliana: Journal for Brazilian studies, vol. 2, No. 3 (2013): 313-344. Em colaboração com Marcia Esparza, ela está editando um volume com o título  “Legacies of State violence and Transitional Justice”  in Latin America : A Janus-faced Paradigm?" (Lexington/Rowman & Littlefield, 2015).

 

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Publicado

2017-06-05

Como Citar

Schneider, N. (2017). Propaganda ditatorial e invasão do cotidiano: a ditadura militar em perspectiva comparada*. Estudos Ibero-Americanos, 43(2), 333–345. https://doi.org/10.15448/1980-864X.2017.2.24745

Edição

Seção

Dossiê: História, cotidiano e memória social: a vida comum sob as ditaduras no século XX