Submissão aberta - DOSSIÊ: Como narrar o real em tempo pós-reais

2023-01-02

DOSSIÊ: Como narrar o real em tempo pós-reais

Período: 20/12/2022 a 05/03/2023  

Partindo da definição de que o espetáculo seria o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens, Guy Debord define A sociedade do espetáculo (1967) como uma etapa particular do capitalismo, quando os processos de acúmulo de capital e de imagens estariam intrinsecamente conectados e fariam parte do cotidiano. Isso quer dizer que tudo, as relações interpessoais e políticas, as manifestações religiosas e ambientais, tudo estaria mercantilizado e envolto por imagens. Por consequência, ao se constatar que a aparência monopoliza as relações sociais, pode-se mesmo afirmar que Debord, avant la lettre, foi um dos primeiros teóricos da pós-realidade. Isso porque, no século XXI, tornou-se impossível distinguir o real da imagem. Para melhor compreender este fenômeno, peguemos como exemplo a luta livre profissional estadunidense, o catch. O atrativo da luta é o drama, explícito em cada um dos atores, entre o bem e o mal. Mas mais do que isso: durante o combate, o público torce para os lutadores e sente o embate no ringue como se a coreografia encenada fosse de fato uma luta. O fenômeno ocorre porque, para quem assiste, como não é possível provar nada, só existe o espetáculo. Não por acaso, Roland Barthes vai escolher o catch como exemplo (talvez o maior) de suas Mitologias (1957). Segundo Barthes, o mito distorce os fatos, levando as pessoas a anularem o senso crítico diante deles. Deste modo, o autor sugere que o mito seria parte constitutiva das comunicações humanas, já que capazes de expressar fantasias e sentimentos da sociedade. Porém, o século XXI parece viver imerso nesse universo de pós-realidade, gerando uma crise que vai  muito além da hiperrealidade de Jean Baudrillard (1981). Nesse contexto, as possibilidades de narração, representação e identidade ficam completamente desestabilizados. Ou seja, a crise é a omnipresença de simulacros mais concretos, mais palpáveis, mais críveis que a própria realidade, pois narrativas se incorporam progressivamente, conforme definido por Rebeka Guarda, Marcia Ohlson e Anderson Romanini em “Disinformation, dystopia and post-reality in social media: a semiotic-cognitive perspective” (2018). Sendo assim, como narrar o real quando a realidade se torna palco de uma desvairada sequência de eventos distópicos e surreais? Como ficcionalizar textualmente quando o cotidiano se transforma num enredo de fabulações fantásticas? Como vencer o poder imaginativo de uma atualidade minada por acontecimentos inverossímeis e absurdistas?  Como restituir a capacidade de deformar a linguagem frente uma sucessão de fatos insólitos? A vida tornou-se inverídica e pouco crível. Frente tudo isso, a literatura brasileira contemporânea ainda seria capaz de abarcar os traumas e tramas de um mundo fake e apocalíptico? A presente edição da revista Letras de Hoje almeja receber trabalhos que abordem o tema das soluções e desilusões narrativas e poéticas num mundo pós-real.      

Organizadores

Dr. Ricardo Araujo Barberena (PUCRS) 

Dr. José Leonardo Tonus (Paris-Sorbonne IV)

Dr. Vinicius Gonçalves Carneiro (Universidad de Lille)