Religião e economia: genealogias, fronteiras e limiares

2024-06-12

Assim como o próprio conceito de religião (Asad), o conceito de economia incorpora um grande número de meios, fins e expectativas, frequentemente transbordando os regimes de expertise responsáveis por sua compartimentalização na modernidade secular (Polanyi). De fato, uma série de autores clássicos e contemporâneos (Mauss, Simiand, Benveniste, Weber, Sombart, Hart, Agamben, Comaroffs, Graeber, entre outros) demonstraram como esses dois aparentes domínios da realidade estão genealogicamente entrelaçados. Tal parentesco é explicitado pelos resíduos teológicos da economia secular (ex. a providencial "mão invisível" do mercado), pelos resíduos econômicos da gramática religiosa (ex. os vínculos etimológicos entre "crença" e "crédito" nas línguas neolatinas ou "culpa" e "dívida" em línguas germânicas) e pela ambiguidade de noções compartilhadas, como “valor”.  Suas afinidades têm se tornado um foco mais evidente de objetificação gerencial e problematização ética em um contexto caracterizado tanto pela capilarização do econômico-secular (trabalho imaterial, capitalismo digital) quanto pelo reavivamento da relevância pública de práticas e tradições religiosas. Evitando um engajamento simplório e causal com entes abstratos como "o Neoliberalismo", o presente dossiê visa examinar de modo comparativo a produção social de continuidades e descontinuidades entre o religioso e o econômico no contemporâneo a partir de uma perspetiva antropológica e etnográfica. Como diferentes tradições religiosas concebem, se entrelaçam com ou se isolam da economia de mercado capitalista a partir de suas próprias economias morais, sensibilidades, agências e temporalidades? Temas afins incluem transações rituais; ética, espiritualidade e trabalho; temporalidades econômico-religiosas; conflitos e reconciliações entre prescrições econômico-religiosas – e outros fenômenos que revelem a economia como um campo de problematização ética e ontológica em uma fase da modernidade denominada "pós-secular" por um número crescente de autores.