Uma solução aristotélica para o paradoxo do mentiroso em Metafísica IV, 8

Autores

  • Nazareno Eduardo de Almeida Universidade Federal de Santa Catarina

DOI:

https://doi.org/10.15448/1984-6746.2013.3.13156

Palavras-chave:

Aristóteles. Paradoxo do mentiroso. Metafísica, Livro IV, Capítulo 8.

Resumo

É comumente aceito, atualmente, que Aristóteles não teria enfrentado ou tentado seriamente resolver o famoso paradoxo do mentiroso, embora ele tenha sido formulado por Eubúlides de Mileto, membro da escola megárica e rival filosófico de Aristóteles. No máximo, assim reza a visão tradicional, ele parece apenas fazer uma menção desse paradoxo nas Refutações sofísticas, Capítulo 25, talvez esboçando a sua solução. O meu intento, no presente artigo, é desafiar essa opinião geral mostrando que o Estagirita fornece uma explicação implícita para duas versões do paradoxo do mentiroso, a saber, a versão autorreferencial (que pode ser apresentada pela declaração: “esta declaração é falsa”), e a versão anafórica (que pode ser apresentada por meio de duas declarações mutuamente referentes como estas: “a próxima declaração é verdadeira” e “a declaração anterior é falsa”). A minha alegação é que a solução aristotélica para essas duas versões do paradoxo encontra-se no núcleo de sua refutação de duas teses, as quais denominei como tese da synalethia (que defende que toda declaração é verdadeira) e como tese da sympseudia (que defende que toda declaração é falsa). Tal refutação é realizada no oitavo capítulo do quarto Livro da Metafísica, um texto até agora subestimado pelos intérpretes modernos, mesmo sendo a parte final de um dos mais importantes escritos de Aristóteles. A solução aristotélica, assim defendo, é levada a cabo por meio dos seguintes princípios: (i) toda declaração é sempre precedida por um operador de verdade da forma ‘é verdade que...’, ou seja, toda declaração, qualquer que seja o que ela possa declarar a mais, primariamente assevera a sua própria verdade; e, em conformidade com o princípio anterior, (ii) toda declaração que assevera a sua própria falsidade ou acarreta a verdade de sua contraditória é necessariamente falsa. Através desses princípios, a refutação de Aristóteles da synalethia e da sympseudia é bem-sucedida. Mostrarei que obtemos uma boa solução para as versões do mentiroso acima mencionadas (e implicitamente presentes nas posições refutadas), apenas aplicando esses mesmos princípios a elas. Esse tipo de solução ao mentiroso tanto quanto para as teses antes citadas é muito parecido com aquele explicitamente encontrado nas obras de diversos filósofos, a saber, Guilherme de Sherwood, Tomás Bradwardine, João Buridano, Alberto da Saxônia, Paulo Venetus, Charles S. Peirce e Arthur Prior. Assim, também defendo que essa linhagem tem as suas raízes na solução de Aristóteles.

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Biografia do Autor

Nazareno Eduardo de Almeida, Universidade Federal de Santa Catarina

Formado em Filosofia na UFSC (1999), mestre e doutor em Filosofia pela PUCRS (2000-2005). Professor do departamento de Filosofia da UFSC na área de Metafísica. Áreas de estudo e pesquisa: Metafísica contemporânea e antiga (especialmente Aristóteles); Ontologia e Semiótica; Filosofia da linguagem; Filosofia da Arte; Teorias da Verdade

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Publicado

2013-12-31

Como Citar

de Almeida, N. E. (2013). Uma solução aristotélica para o paradoxo do mentiroso em Metafísica IV, 8. Veritas (Porto Alegre), 58(3), 429–466. https://doi.org/10.15448/1984-6746.2013.3.13156

Edição

Seção

Epistemologia, Linguagem e Metafísica

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